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sexta-feira, abril 28, 2006

O teu cheiro

Hoje passei por ti.
Estava a descer as escadas rolantes na Alameda, passei por um amontoado de gente e o teu cheiro segredou-me ao ouvido.
["beijo beijo"]
Ainda olhei para traz. Para o amontoado de gente.
Mas não te vi.
Pensei em chamar-te mas, sei que não irias responder.

Talvez fosse parte de ti... perdida. Perdida no amontoado de gente.

O teu cheiro
de mão dada com o grupo,
sem pertencer a ninguém.

Mas este não é o teu caminho! Não ias correr o risco de te cruzares comigo (de novo).
Talvez lhe tenhas largado a mão, e deixado-o escapar, Algures... nos túneis do Metro. E ele... como é inocente, destemido...vagueia pelos túneis rindo.
[um pouco como uma criança que caminha perdida no comboio, dando a mão a qualquer um, aceitando uma perna de frango oferecida por um desconhecido...]

Rindo...

Camuflando-se nos transeuntes.

O teu cheiro...de mão dada com o grupo...sem pertencer a ninguém... LIVRE.

quinta-feira, abril 27, 2006

Cárie Dentária em Paris


CÁRIE DENTÁRIA EM PARIS
Alguma coisa em mim me corrói

Fumo demasiado
Bebo demasiado

Morro demasiado lentamente


CÁRIE DENTÁRIA EM PARIS[Heiner Müller - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro]

quarta-feira, abril 26, 2006

Ontem Comecei

ONTEM COMECEI
A matar-te meu amor
Agora amo
O teu cadáver
Quando eu estiver morto
O meu pó gritará por ti

ONTEM COMECEI
[Heiner Müller - Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael]

terça-feira, abril 25, 2006

A Noiva do Soldado



Uma rapariga sem braços com uma perna de pau
Frente a uma paisagem marítima, grávida.
Barata: não pode ir-te aos bolsos.
Cómoda: não se gruda ao teu andar.
SEM BRAÇOS É SEM PERIGO. Não pode
Correr atrás de ti: se tu partes
Tu partes.
Acenas-lhe talvez um pequeno adeus.
Apesar de tudo ela ainda tem olhos (dois).
Quatro mil raparigas sem braços abraçam-te
Quatro mil raparigas grávidas com pernas de pau
Seguem-te o rasto


A VENTURA DA PRODUTIVIDADE: A NOIVA DO SOLDADO
[Heiner Müller - Adolfo Luxúria Canibal / Adolfo Luxúria Canibal]


in «Mão Morta - MÜLLER NO HOTEL HESSISCHER HOF»

Pela estrada fora...




"I shambled after as I've been doing all my life after people who interest me, because the only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn, like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars and in the middle you see the blue centerlight pop and everybody goes "Awww!" (no original)

"...porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar-comum, mas ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama! «Aaaah!»."

"..ir para sul no Inverno e para norte no Verão, só porque não tinha nenhum sítio onde pudesse permanecer sem se fartar dele e por não haver nenhum lugar para onde se ir a não ser todo o lado..."

"
-Espero que chegues lá para onde vais e, quando isso acontecer, que sejas feliz.

- Chego sempre e acabo sempre por partir, duma maneira ou doutra.
"

"Ficámos sentados sem saber o que dizer. já não havia mais nada para conversar.
A única coisa a fazer era partir."

"Quando o dia rompeu, íamos a atravessar New Jersey disparados, com a grande nuvem da metrópole nova-iorquina a erguer-se diante de nós, ao longe, no horizonte nevado. Dean levava uma camisola enrolada à volta das orlhas para se agasalhar. Disse que éramos um grupo de árabes que íamos mandar Nova Iorque pelos ares."



in "On The Road" (1957) de Jack Kerouac


domingo, abril 23, 2006

Dia Mundial do Livro





O "Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor" é comemorado, desde 1996 e por decisão da UNESCO, a 23 de Abril, dia de São Jorge. Esta data foi escolhida para honrar a velha tradição catalã segundo a qual, neste dia, os cavaleiros oferecem às suas damas UMA ROSA VERMELHA DE SÃO JORGE (Saint Jordi) e recebem em troca, UM LIVRO. Em simultâneo, é prestada homenagem à obra de grandes escritores, como Shakespeare e Cervantes, falecidos em 1616, exactamente a 23 de Abril. Partilhar livros e flores, nesta primavera, é prolongar uma longa cadeia de alegria e cultura, de saber e paixão.


in Instituto Português do Livro e Das Bibliotecas

terça-feira, abril 11, 2006

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinícius de Moraes (1913 - 1980)

Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


Florbela Espanca (1894 - 1930)