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quarta-feira, setembro 14, 2005

Trem Azul

O Cabelo colado à testa, despenteado.

Os ombros descaídos, magros.

Uma tshirt branca, amarrotada. Coberta de pequenas manchas negras.

Agora que observo o meu reflexo, apercebo-me que faz dias que não me via ao espelho. A pouco e pouco vou-me apercebendo dos acordes de Daniele, que aquece o saxofone. Giovanni e Gonçalo discutem os arranjos para o início do concerto.
São 20h05 e o Trem Azul está repleto de amigos e amantes de Jazz. Estamos todos nervosos. Sempre foi assim.

2ª entrada no Caderno Azul : "Odeio-me! Odeio-me por Adorar tanto, Adorar. " 02/09/2005 23h57

Giovanni repete os mesmos erros do ensaio. Olho para ele à espera de um sinal. As teclas continuam fora de ritmo e Gonçalo, no baixo, vai repetindo os seus acordes. Daniele farta-se de esperar pela sua entrada e vai para o canto. Forço mais a pedaleira, mas era tarde demais. Tive de explodir. As mãos ganharam velocidade. Os pratos não paravam de vibrar e o baixo fez-me companhia.
O Gonçalo sempre gostou mais disto. Da génese do improviso. Fechou os olhos e, abanando a cabeça palitoide, acelerou o ritmo e extremou a tensão nas cordas. Daniele entrou em cena. Deu um safanão nas pautas repletas de breves e claves de sol. Fixou os olhos em algo que nós nunca chegámos a descobrir, no horizonte.(Como é típico nos bons momentos dele). E fez o saxofone ecoar nos tímpanos dos presentes.

O público estava a gostar. Alguns abanavam a cabeça ao ritmo do nosso som caótico, des-pautado. Giovanni faz-me sinal e mostra-me o ritmo com as mãos. Daniele entra num ritmo mais calmo e reconheço os acordes. Foi a tocar esta música que te vi pela primeira vez. Num outro espaço, numa outra época.
Fecho os olhos para não ter de chorar, mas o saxofone é demais para mim. As lágrimas escorrem face vermelha abaixo. E um coágulo (á muito preso na minha perna) liberta-se. Viaja pela minha corrente sanguínea até alojar-se no meu coração, causando-lhe uma paragem subita.

Um enorme BONG ecoa pela sala e caio sobre o tambor, estatelando-me no chão. Um imenso formigueiro consome-me o corpo adormecido por uma dor no peito. De olhos abertos a olhar para o tecto, vou perdendo a melodia que me mantém vivo. Um a um, os meus instrumentos vão-se calando e vou perdendo o tom da vida.

O tocar do baixo... lá fora carros aceleram tentando fugir ao transito, e as minhas pupilas dilatam.


NA - http://www.tremazul.com/