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domingo, setembro 11, 2005

Sem Nome

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Hoje a noite é de tributo a Dizzy Gillespie, com Johannes Krieger no trompete,
Johnny e Lil'John como d.j.'s e PTV a manipular as imagens em pano de fundo.
Continua uma das melhores iniciativas da noite lisboeta em 2005, as Lisboa Jazz
Sessions, da Cooltrain. O começo do Verão foi marcado com pequenas enchentes à
quarta-feira à noite na Bicaense. Setembro já tem programação, com as sessões
intimistas em redor de uma banda jazz garantidas. Há boas razões para voltar a
Lisboa depois de férias, e aqui pretendemos não deixar escapar nenhuma. Meeting
at Bica!



Ao ler a lecool não podia estar mais de acordo. Todas as noites são boas para jazz ao vivo.
Convenci o colaço a ir, apesar de inicialmente ter outra companhia em mente.
Ao subir a bica, escorregando nos carris do elevador, algo faltava. Apesar de ser 4f faltava vida no bairro. Continuámos a subir á procura da Bicaense que estava mesmo ao nosso lado. Rodeada de noctívagos de copo na mão. Entrámos com a esperança de ainda ouvir um contrabaixo, uma nota que fosse, para que tudo valesse a pena. Apesar das horas tardias.
Escadas, o arco, cabeças e luzes azuis. Blues. No interior um ambiente contagiante. As notas rasgadas por um trompetista de óculos redondos e barba enriçada. Os movimentos de improviso do presentes, tal como as notas. A vontade de que o fôlego não lhe faltasse, que nunca tivesse de sair dali. Eternamente de testa suada e copo na mão, ao sabor das notas.

1ª Entrada No caderno Azul : "Há Vida, para alem do Amor." 01/09/2005

Saímos da Bicaense e fomos á procura de um bar sem nome. O bar cujo nome era "sem nome", onde estaria um colega do colaço. As ruas do Bairro estavam à pinha. Principalmente se pensar-mos que era uma 4ªF. Por momentos tive compaixão pelos moradores do Bairro. Mas só por breves momentos. O Bairro não dorme.

Percorremos as mesmas ruas várias vezes. Rua de Sta Catarina. Rua da Rosa. Rua da Atalaia. Mas sem nunca encontrar a mais movimentada. A Rua Diário de Notícias, onde provavelmente estaria o bar sem nome.
Acabámos por encontrar a rua e depois de a percorrer por inteiro, até ao cimo escuro e mal frequentado, entrámos no sem nome.

O bar estava vazio. Excepto para um casal numa mesa, e um senhor de meia idade ao balcão. Reconheceu logo o Colaço, convidando-nos para sentar.
O César é um conhecedor e frequentador do bairro. Já teve o seu próprio espaço da noite, como ele próprio nos disse, mas as coisas não deram certo. Como muito do que se sonha na vida. Neste momento trabalha em dois ou três empregos diferentes. Um deles foi onde teve o prazer de trabalhar com o colaço, nos últimos três anos. Outro é um biscate no "palpita-me". Espaço famoso no bairro pela imperial barata, noites de Karaoke e musica ao vivo. Preferidos dos camones.


Agora Cesar estava a ajudar o seu amigo nas primeiras semanas à frente do sem nome. O sem nome era antes uma tasca com aspecto de tasca e frequentadores de tasca. O jovem magro, pálido e de brinco de ouro, fora antes empregado dessa tasca. Tornou-se patrão e investiu para mudar o aspecto do espaço. Tornando-o num bar vermelho e acolhedor.
Três imperiais estavam agora sobre o balcão. Gotículas de espuma escoriam de copos esguios ao encontro do balcão castanho.

- Põe na minha conta! - disse César para o pálido.

Falámos sobre a noite. Sobre as histórias do bairro. Os dealers do bairro. Até ficarmos sem histórias.
O colaço continuou a falar com o seu amigo, sobre o emprego e assim. Eu e o Zé sobre o Arkanoid e assim. E três raparigas bebiam os seus copos encostadas ao pilar.
Sem nada para fazer, foquei a minha atenção nelas. As três falavam um inglês, com sotaque inglês, de forma que não imaginei outra coisa que não fossem inglesas. Riam muito e falavam alto. Olhavam e comentavam de seguida.
Uma despertou-me a atenção. Tinha traços asiáticos que lhe acentavam perfeitamente. Sempre que ela bebia do seu copo, fazia um olhar.

Depois vieram os jogos. Não me intimidei e continuei a olhar, fazendo um sorriso tolo de quando em vez. Certo momento ela fixou-me. De uma forma tal que fiquei preso no seu olhar oriental. Sorri e ela sorriu de volta. Tudo estava a ser fora do normal.

Acendo o último cigarro. A loira pede-me ao longe um cigarro, e eu que o tinha acabado de acender. Disse-lhe que era o último. Mostrei o maço vazio. Ela insistiu. Para pedir ao "you'r friend"(referia-se ao César). Disse-lhe para ela própria lhe pedir. Depois de ela insistir umas quantas vezes, consegui convencela a pedir a ele. Infelizmente (ou não) ele também não tinha.
A loira passou nas minhas costas e de volta ao pilar onde estavam as suas amigas. Dois indianos, que nem tinha dado conta que estavam com elas, convidaram-nas a sair do sem nome. Já estava a espera que isto acontecesse. Olhei uma ultima vez para a beleza asiática temendo nunca mais a ver. E é aí que a loira e a asiática vêm até ao pé do Zé e de mim e...

- We are going now to the Kamasutra bar, wanna come?

Expliquei-lhes que estávamos com um amigo, que tínhamos de ir embora em breve.
Informaram-nos que tinham bebidas grátis no tal bar, e brinquei dizendo que então podíamos todos beber.

- No way! you'r the boys. You'r the ones that pay us drinks.

Disse-lhes que estavam enganadas. Que em Portugal funciona ao contrario. São elas que pagam copos a eles.
Deram umas gargalhadas, fizeram-nos prometer que lá aparecíamos.

Quando o Colaço chegou da WC e as viu a dizer adeus, ficou sem perceber nada.
Já era tarde e saímos do bar. Descemos a Rua Diário de Notícias enquanto o César tentava convencer-nos a ir ao Kamasutra bar.

- Se elas convidaram têm de ir - dizia.

Afinal era só uma noite de Jazz na Bicaense. Todos tínhamos muito que fazer no dia seguinte.
Enquanto me convencia disto, o César indicava-nos onde ficava o Kamasutra.

Despedimo-nos dele e seguimos Rua da Rosa abaixo. Aí estavam um grupo de adolescentes numa conversa acesa. Uma morena simpática correu na nossa direcção:

- Vocês gostam de música africana?!

Eram todos putos ricos, via-se. Mas não perdi a chance de me rir um pouco.
Meti conversa com ela. Questionei-lhe os estilos de música. O respeito dela pelos outros. Pelos gostos dos outros. Caramba, como ela era uma fraude como embriagada e ainda mais como mulher!
Deu-me o braço e continuamos a descer, e a discutir. Depois de fugir um pouco de caminho, despedi-me desejando felicidades e recordando o toque macio da pele dela.

Quando ia prestes a descer o elevador da Bica...

- Desculpem. Eu sei que vão achar que estou a brincar. Que estou a ser parvo, mas. Eu tenho de fazer isto. Se não o fizer vou estar daqui a umas horas na cama a pensar no assunto. Tenho de o fazer. Tenho de ir ao Kamasutra.


Quando os deixei, e passava por debaixo de um arco para tornar a subir a Rua da Rosa, pensei numa frase que ouvira antes. No Good Will Hunting (1997). Em que Sean Maguire (personagem representado por Robin Williams) explica como perdeu um jogo de baseball histórico por algo que tinha de fazer:

I just slid my ticket across the table and I said, "Sorry guys, I gotta see
about a girl."



De olhos postos no cimo da rua, sorri.

E comecei a correr.