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segunda-feira, agosto 22, 2005

analogia : s. f., relação de semelhanças entre coisas diferentes

Durante os três dias que esteve em Amesterdão,
andou sempre perdido. O plano da cidade é circular (uma série de círculos
concêntricos, uma quadrícula de centenas de minúsculas pontes, cada uma das
quais conduzindo a outra depois a outra e a outra, numa imbricação que parece
infindável) e, ao contrário do que sucede noutras cidades, em Amesterdão não se
pode 'seguir' por uma rua. Para se chegar a algum lado, tem de se saber de
antemão por onde se vai.

[...] Errou pela cidade. Andou em círculos. Permitiu-se perder-se. Por
vezes - como mais tarde descobriu - estava apenas a poucos metros do seu
destino, mas, como não sabia onde virar, metia pelo caminho errado e, desse
modo, afastava-se cada vez mais do local para onde julgava ir. Ocorreu-lhe que
estaria talvez vagueando pelos círculos do inferno, que a cidade poderia ter
sido convebida como um modelo do mundo dos mortos[...]

E se Amesterdão era o inferno, e se o inferno era a memória, então talvez o
facto de se perder fizesse algum sentido. Separado de tudo o que lhe era
familiar incapaz de descobrir um único ponto de referência, A. via que os seus
passos, não o levando a lado nenhum, estavam a conduzi-lo a um único sítio: a si
mesmo. Era dentro de si emesmo que ele errava - e estava perdido. Longe de
o perturbar, essa condição de caminhante perdido tornava-se uma fonte de
felicidade, de júbilo. E ele respirava-a até ao tutano. Como se estivesse a um
passo de conhecer algo que até então sempre estivera oculto, ele respirava-a até
ao tutano e dizia para si mesmo, quase triunfante: Eu estou perdido.



in O Livro da Memória do livro Inventar a Solidão, Paul Auster.