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sexta-feira, setembro 16, 2005

Esperei toda uma vida por uma noite assim

[ 2/2 ]


Fiquei rapidamente ofegante. Desviando-me de caixotes do lixo e outro tipo de lixo da noite.
Cansado de procurar, reparei num grupo de tipos sentados ao lado de um bar. Estavam a beber umas litrosas.
Decidi não perder mais tempo. Não fossem chegar as 4h e fecharem todos os bares. Um mostrou-se logo pronto a ajudar. Tirou um mapa do bolso e desatou a dar indicações, ignorando o facto de o mapa estar ao contrario. Depois rodou o mapa umas quantas vezes e...

- Oh, vou lá contigo - para minha desgraça.

Quando sigo rua abaixo, acompanhado dos meus dois novos "amigos", olho para trás e vejo um vulto envolto numa manta vermelha. A correr na direcção oposta. A agitá-la, que nem o batman.

3ª entrada no Caderno Azul : "Más ideias hoje, podem ser aceitáveis amanha" Pedro Felix 14/09/2005

Primeira à esquerda depois segunda à direita. Assim, como o "amigo" me disse, estava na Rua Diário de Notícias.
Continuámos a descer e acabei por reconhecer a zona verde que o César havia referido antes. Aproximei-me de uma janela aberta e, enquanto os meus olhos se habituavam á luz e movimento no interior do bar...

-Hi! Come on in! - disse a moça oriental acenando, enquanto dançava acompanhada das suas amigas.

Os meu "amigos" olharam um para o outro incrédulos. Pensei que fossem entrar comigo e tudo acabasse por ficar uma enorme confusão. Felizmente ficaram na rua encostados num carro, a observar para o interior do kamassutra bar.
Entrei e fui direitinho ao balcão. Depois de tanta corrida estava com a secura. Sentei-me num lugar perto da saída. Com melhor vista para a pista e de fácil escape caso algo corresse mal. A asiática e a loira convidaram-me para dançar, do meio da "pista". Rejeitei o convite apontando para o copo á minha frente. Hipotequei tudo nesse preciso momento. Dois tipos garanhões foram ao encontro delas e começaram a conversar, ao mesmo tempo que dançavam. Não sei se seria o efeito teaser mas, de vez em quando, a asiática fixava os meus olhos enquanto ouvia, dançava e falava com o interpelador.
Acendi um cigarro e preparei-me para sair. Quando olho para a saída, estavam os dois amigos encostados ao carro . A observar, a acenar. Não tinha uma saída fácil. Mas ficar poderia ser muito mais humilhante que sair.
Continuei a beber a minha imperial, dando longos bafos descomplexados. Continuei a observa-la. Sempre que me olhava, acenei para sentar-se ao meu lado. Isto deve ter sido pelo menos duas vezes. Agora que aqui estava, que ninguém me conhecia, não tinha nada a perder.
Passo a passo aproximou-se da cadeira e sentou-se, fazendo-me companhia também na bebida. Perguntou o que era feito dos meus colegas. Quando lhe informei de tudo, achou piada e agradeceu a ousadia.

- You know. We Portuguese, can't refuse an invitation.

Perguntei-lhe se eram de Inglaterra, devido ao sotaque. Disse-me que eram francesas, da terra do champanhe, mas que tiveram dois anos na Irlanda em Erasmus. Isso justificava muito. Principalmente a facilidade com que bebia a imperial, ou Baby beer como lhe chamava. Para a prova final, sugeri que me dissesse uma coisa em francês. Qualquer coisa.

- Je suis tres content parce que tu est ici. - disse.

Sorri e retorqui o que percebi, em Inglês. Afinal, três anos a cabular verbos tinham servido para isto.

Continuámos numa conversa agradável. Sobre banalidades. Sobre os seus traços (muito) visivelmente orientais.

- I'm from Korea - respondeu.

Apesar de ser estranho o bastante, estar a falar com uma francesa-coreana que falavam impecável inglês por ter estado na Irlanda, cinco anos de jornais ensinaram-me algumas coisas sobre a coreia. Não existe uma só. A do norte, capital Pyongyang, é uma ditadura comunista. A do Sul, capital Seul, é uma republica. Daí ter perguntado:

- Wich part of Korea?
- The nice side! - disse ela, rindo.

Depois a loira interveio, e puxou-nos para dançar.
O som estava fantástico. Acho que YMCA basta para explicar o que quis dizer com isto. E sim, estou a ser irónico.
Elas cantavam a altos pulmões, e eu ria-me. Neste momento tudo parecia encaminhado para uma noite, no mínimo, interessante. Mas quando menos se espera há sempre alguém que persiste, há sempre alguém que não aceita um não (quase como a canção). Os dois mesmos tipos de antes começam a dançar ao pé delas bloqueando-me o caminho. Formando um novo círculo com um ponto no exterior, eu. Continuo a dançar, demasiado frustrado para desistir. Depois de ver muita conversa achei que o meu tempo tinha acabado. Olho para o lugar onde antes estava, e vejo o meu "amigo" conversando com a portuguese connection das francesas. Que Sorri para mim e acena.
A música mudou de ritmo, olhei para o lado, e estava a loira. Não pensei duas vezes. Puxei-a e comecei a dançar á pimba. Em pouco tempo pares foram-se formando, deixando os dois tipos especados no canto da pista. Para culturas diferentes até entendiamo-nos bastante bem. E, talvez pela sua cultura francesa, não estranhou quando a apertei de encontro a mim.
Na música seguinte, as duas decidiram fazer par. Por ter feito algumas caretas, convidaram-me para me juntar.

Éramos três. Três diferentes vidas dançando abraçadas.
Seguiu-se uma mudança brusca na musica, para slow. E a loira deixou-nos, ficando eu a fazer par com a coreana.
Não sei ao certo. Com certeza que foi mais que uma música mas...

"Quis saber quem sou,
o que faço aqui.
Quem me abandonou.
De quem me esqueci."



Disse-lhe que era uma música que simbolizava a revolução de abril, ignorando as minhas duvidas sobre isso no momento. Colocou o braços á minha volta. (Re)Começámos a dançar.

Como era gentil o toque dele. Percorria as minhas costas com as suas mãos de seda como se fossemos chegados. Tão chegados como os nossos corpos estavam. Havia uma empatia no dançar, no encontro de olhares. Na cumplicidade dos sorrisos.

"De quem eu Gosto,
nem ás paredes confesso."


Quando Amália ecoou nas paredes, tentei traduzir-lhe a letra. Tive muita dificuldade em faze-lo. Paredes não são walls. Confesso não é tell. E achei por bem começar por baixo. Tentei explicar-lhe o significado de saudade, de nostalgia. Mas não havia tradução possível.

- Do you want to go outside? - disse ela.

Fiquei incrédulo.
Quando saímos e a porta fechou-se atrás de mim, a rua era nossa. Ela encostou-se á parede e falámos mais um pouco.
Perguntei de onde ela era exactamente, quando deixava Portugal. E dei por mim a contar-lhe da minha "gata francesa".

- If you don't want to, you don't have to! - disse ela de olhos no chão.

Não estava a perceber nada. Estava tudo a correr tão bem! Para quê estragar tudo agora? Se o clima estava a nascer para quê forçar?
No fundo não era nada disso. Não sabia cheirar o momento, nunca soube. Não queria deitar tudo a perder cedo demais.
Perguntou se era alguém? Se tinha mais alguém...namorada, amiga especial...

- Cu's guys normaly kiss!

Não podia estar a ouvir aquilo. Como era possível estar tudo á minha frente. Tudo tão directo! E mesmo assim eu pensar numa outra coisa que ela estivesse a dizer. Não podia ser verdade. Eu não estava a ouvi-la a dizer aquilo de cara baixa.
A porta bate com violência. Abre-se novamente e um rapaz grita:

- Não volto a repetir! BAZA! Eu não tou a trabalhar! Quando é pra bazar BAZAS! Tou farto destas merdas! És sempre assim. - Gritava o porteiro.

A loira veio á porta e chamou-nos para entrar rápido.
O problema tinha a forma de dois gajos, os de antes. A musica morreu nesse instante. As luzes foram desligadas excepto as do bar, ficando um ambiente de luz negra no resto da sala. Os tipos falavam alto, uma moça gorda ameaçava expulsá-los á pancada. Apesar de parecerem amigos.
A coreana perguntou-me o que se passava e tentei explicar-lhe.

- That girl there said "Don´t tell me to fuck off or I'll punch you in the face"

E ficámos assim durante uns minutos. Eu traduzia á coreana, e ela traduzia á sua amiga francesa.

Fomo-nos sentar nos mesmos lugares onde estive no inicio da noite. Falámos de idades, de bebidas. Aí contaram histórias sobre as suas experiências na Irlanda. E foram aparecendo pessoas. Não sei como. Não me lembro como chegaram mais 5 pessoas sem dar por isso. Mas apartir do momento que chegaram, pertenciam.
Um tipo, era o que de mais parecido com o beavis vi até hoje (da série da MTV). Tinha aspecto de metaleiro. Brincos cabelo comprido. E um riso histérico. Dos tipos mais bacanos que conheci naquela noite.
O amigo indiano que fazia 32 anos naquela noite. A portuguesa que fazia o trio com as francesas. E um senhor de bigode que ninguém sabia quem era. Com um hilariante sotaque inglês indiano (como Apuh dos Simpsons). Era uma noite tão repleta de histórias. De histórias dentro das histórias. De pessoas. De pessoas a falarem de pessoas.

Depois saímos todos do kamassutra e fiquei a olhar para a coreana. Sem saber o que dizer. Não queria que a noite acabasse ali.
Ela aproximou-se de mim. Perguntou-se se tinha de ir embora. E assim que disse que não, fez um sorriso que soube a Amo-te. Daqueles que nos aquecem por dentro. E deu-me a mão.

Uns despediram-se, e os que ficaram seguiram rua acima. Em cada esquina parávamos por razão nenhuma. Nada estava aberto aquela hora. Eu aproveitava, e abraçava-a. Não conseguia compreender esta minha vontade de a abraçar, de a beijar. De não precisar de usar nenhuma linguagem que não a do afecto. Que apesar de não a conhecer de todo, aquela noite pertencia-nos. E nós juntos, á noite.

Depois de muitas paragens, um rapaz de olhar vazio passou por nós e perguntou.

- Olha desculpem. Não viram um gajo de manta vermelha ás costas a passar por aqui?

O olhar dele era estranho. Senti um arrepio quando me olhou, muito próximo da minha cara.

- Pah, por acaso até vi! Mas foi ha umas 3h atrás. Pelo menos! - respondi.

- Pois, era eu! Mas roubaram-ma! - retorquiu ele.

Fiz um esforço imenso para não me rir na cara dele.

- Estas a ver esta cara? Decora bem esta cara! Eu vou estar aqui amanha, e depois...até encontrar a minha manta! Ela custa 15€ mais portes de envios, vai demorar uns 3 meses a chegar. Mas eu não descanso enquanto não a encontrar! Não te esqueças! Se os vires diz que eu estou aqui! - disse ele.

Nesta conversa toda, o mesmo olhar vazio. Sem nunca pestanejar.
Desceu um pouco e fez a sua saudação ás raparigas. Levantou o seu gorro com carrapito e segurava-o durante instantes sobre as suas cabeças. Quando tentou fazer isso ao indiano (aniversariante) as coisas azedaram.

- Tu não volta a fazer isso a ela! Não volta! - disse o indiano afastando o gorro com violência.

O "homem da manta" volta-se de novo para mim e despede-se.

- Boa sorte na procura da tua manta! - disse eu em tom amigável.
- Quero lá saber da manta! Quero é gajas. - respondeu o "homem da manta" esboçando um sorriso.

Seguimos rua acima, depois de passar o largo Camões. Em direcção ao Adamastor. A loira, não conseguia afastar a ideia que teria de acordar as 9h30 para ir trabalhar, e teve de ir-se embora. Deu um forte abraço á coreana, e despediu-se.

Chegámos ao Adamastor. Um miradouro onde nunca estive antes. O sol já tinha nascido. Os cacilheiros atravessavam o rio, e os carros a ponte. Ela foi ate até á beira do miradouro e acompanhei-a.
Esperei uma reacção. Mas ela limitava-se a olhar, triste, para o rio.
Aproximei-me dela, e envolvi os meus braços nas suas ancas. Assim, de caras viradas para o dia. De costas voltadas para o Passado.
Encostei a cara junto á dela, e não parava de pensar como tudo era irreal. Como o seu cabelo era macio, como cheirava bem.
Aproximei os meu lábios do seu ombro torrado do sol, e beijei-o. Não pensei que soubesse tão bem. Esperava sentir alguma náusea. Algum arrependimento. Mas nada. Arrastei os lábios de encontro ao pescoço e toquei-lhe ao de leve com a língua. A sua cabeça abanou em tom de arrepio.
Subi os braços, e abracei-lhe o tronco cobrindo os seios. Ela abraçou os meus. E permanecemos assim, enquanto metros atrás, o (que restava do) grupo rodava um charro.

Não conseguia controlar as ideias. Tomaram conta de mim e não conseguia parar de rir.

- Are you Laughing at me? - perguntava ela.

Eu jurei-lhe que não. Tentei explicar toda a situação. Como tudo era surreal. Que não conhecia ninguém ali. Que esperei toda uma vida por uma noite assim e agora, não sabia o que fazer.
Mas á terceira vez, ela fartou-se. E foi sentar-se junto com os outros.

Conversei um pouco, não sei bem do quê. E estranhava como se riam de qualquer coisa que dissesse. Que ninguém se atrevia a perguntar "Mas quem és tu?".
Agora que escrevo tudo isto (passado uma semana), suspeito que o charro teria alguma coisa a ver com o assunto.

Fui sentar-me ao lado dela. Ela envolveu um braço nas minhas costas, fez carícias de quando em vez.
Fiquei a olhar-lhe durante muito tempo, enquanto ela ouvia a conversa. De nuca voltada para mim. Não sei quanto ao certo. O tempo exacto para começar a crescer uma vontade dentro de mim. De não querer dormir, de não querer acordar.
Puxei-lhe a cara, abrandei. Ficámos aquele instante a olhar... olhos nos olhos... lábios próximos. Que me assombra durante estas noites. E beijei-a.

Saímos do Miradouro rua abaixo em direcção ao Metro. Não percebia a falta de iniciativa dela agora. Será que teria estragado tudo com aquele riso incontrolado?

- You don't have to, if you don't want to. - disse, brincando.

Ela riu-se, e seguimos de braços envoltos um no outro, rua fora.
Os vários elementos da noite foram-se despedindo um a um, até só restar eu a portuguese connection e a coreana. Perguntei-lhe se queria o meu número. Ela deu-me um talão multibanco e caneta onde escrevi:

"Para que esta a noite nunca acabe...9652*6*06."


Perguntou-me o que queria dizer, que não percebia português.

- I'll tell you in our next date.

Prosseguimos calados com alguns sorrisos espontâneos pelo meio. Até ser a estação delas. Aproximei-me e ela deu-me dois beijos na face. Abanei a cabeça. Puxei-lhe o queixo e beijei-a nos labios.
Chegámos á estação. Ela saiu com o papel na mão. E já do lado de fora do metro acenou um adeus, de sorriso nos lábios. Acenei de volta. Ouviram-se 3 bips... as portas fecharam-se. Encostei-me no banco com os pés sobre o da frente. E mexi os lábios sem fazer qualquer som, dizendo:

- "Mas que noite".

A metro prosseguiu túnel dentro aumentando a velocidade. Alguns metros acima um carro apitava no desespero do pára-arranca. Um senhor de meia idade bocejava. E o sol já ia no alto.

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Gostei mt mt mt mt do texto... e das entradas ;)

16 de Setembro de 2005... também me perdi nessa noite... e celebrei a incógnita, a parede, o escuro que a vida coloca-nos à frente... bebi e não paguei... e só queria que aquele dia/noite não acabasse porque o fim das coisas pode funcionar como um soco no estômago...

(conheces a teoria do pré-destino??? foi uma teoria desenvolvida nessa noite... he he he... isto já sou eu a divagar... he hehe... tou aborrecida no trabalho... dá para estas coisas)

13/2/06 16:03  
Blogger fil said...

gostei muito de ler a tua historia , engracado ver o que os rapazes pensam nestas situaçoes...
escreves muito bem as pessoas conseguem entrar na historia de tal maneira que parece q estavamos por perto... engraçado seria sb se voltas te a ver a rapariga

23/11/08 17:15  

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