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sábado, novembro 26, 2005

Inveja

Desço as escadas metálicas antes da hora. Olho através do vidro e reconheço o senhor careca carioca dos IMIKollektief. Que oferece saxofone (para os ouvidos) e pão de Deus (para o estômago) nos concertos.
Fico cá fora á espera das 19h30 e a tirar proveito da chuva (que tem escasseado ultimamente).
Reparo na parede pintada de branco, á minha frente. Nas gotas de chuva que nela escorrem. E naquilo que interpretei como choro. O Acto de chorar. A chuva que, em Lisboa, tem um sabor amargo como lágrimas. Os rastos cinzentos que essas lágrimas deixavam na parede. A parede que chora e que, por isso, deixa à vista as suas chagas.
Os carros buzinam e luzem lá no cimo. Onde pessoas passam também, em passo apressado. Duas moças bonitas exclamam o garrafal Jazz store. Limpo bem os pés e entro.

Depois das habituais voltas a observar todos os novos e antigos discos que não conheço. De tornar ao ponto de escuta onde, desta vez, já não mora Bernardo Sasseti. Sento-me no banco vermelho, de costas apoiadas numa prateleira de CDs, e de frente para a bateria.

Um senhor de cabelo grisalho óculos de massa e tiques discutíveis, entra na sala. Lança um seco "Boa Noite", fala de uma intelectualice que ninguém entende e diz que vai começar.
Isto é importante...quando avisam. É que, na maioria das vezes, nunca chego a perceber. Quando julgo terem terminado de afinar os instrumentos ouvem-se palmas e vai-se tudo embora...

Um percurssionista a solo. Que usa de tudo. Os raladores, as tampas das panelas, paus de rua. Que atira tudo para cima da bateria. Joga baseball com os que estão a mão. Roça as peles dos tambores. Á minha volta ninguém parece estar a achar piada, apesar da minha imensa vontade de rir.
Vou-me "habituando" ao caos de ritmos. E vejo no tambor a parede branca. As gotas de chuva que nela escorrem. E naquilo que interpretei como choro. O acto de chorar. A chuva que, em Lisboa, tem um sabor amargo como lágrimas. Aposto que as minhas também são amargas. Devem de ser. E os rastos cinzentos que as minhas lágrimas deixariam na parede...

Se soubesse chorar.

3 Comments:

Blogger .:X:. said...

Gostei mto deste final... mto bom.

Deixaste-me chuva no coração.

Bjs & lágrimas.

28/11/05 12:20  
Anonymous Anónimo said...

Em cada lágrima...uma dor, um percurso na nossa face, que muitas das vezes, acaba mesmo por trazer um novo percurso na nossa vida...e são estes novos percursos que nos fazem viver e sorrir...se não sabes chorar...ainda vais a tempo...;)

2/12/05 20:25  
Blogger BrunoS said...

Confesso que fiquei triste por nunca mais ter-te visto por cá. Fiquei muito contente com este teu regresso.

Fiquei com um sorriso daqueles...que só tu sabes como fazer.

3/12/05 03:02  

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