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segunda-feira, setembro 08, 2003

Paulito amigo! o Homónimo está contigo!

"Pouco tempo depois do meu regresso a NY (julho de 1974), um amigo contou-me a historia seguite. Ela decorre na jugoslávia, durante os que iriam ser os últimos meses da Segunda Guerra Mundial.
O tio de S. era membro de um grupo de nacionalistas sérvios que combatiam a ocupação nazi. Ao acordarem, uma manhá, ele e os seus companheiros aperceberam-se de que as tropas alemães os tinham cercado. Estavam metidos na casa de uma quinta algures no campo, trinta centímetros de neve cobriam o solo, e não havia qualquer possibilidade de escapar. Nã sabendo o que fazer, os homens devidiram tirar à sorte o seu plano consistia em saírem o mais rápido possivel pela neve, e ver se conseguiam pôr a salvo. Em resultado da tiragem, o tio de S. devia ser o terceiro a sair.
Olhou pela janela o primeiro homem a correr pelo campo coberto de neve. hove uma barreira de tiros de metralhadora vindos da floresta e ele foi abatido. um momento depois, o segundo homem saiu, e passou-se a mesma coisa: as metralhadoras soaram, e ele caiu morto na neve.
Era então a vez do tio do meu amigo. Não sei se ele hesitou na soleira da porta, não sei que pensamentos o assaltaram naquele momento. A única coisa que me contaram foi que ele começou a correr, abrindo caminho pela neve com todas as suas forças. Parecia-lhe que corria há uma eternidade. Então, subidtamente, sentiu uma dor na perna. Um segundo depois, um calor irresistível espalhou-se-lhe pelo corpo e em seguida perdeu a consciência.
Quando voltou a si, encontrava-se deitado de costas na carroça de um camponês. Não tinha nenhuma ideia de quanto tempo passara, nenhuma ideia da maneira como fora salvo. Tinha simplesmntee aberto os olhos - e la estava ele, deitado num carro puxado por um cavalo ou por um mula numa estrada de campo, olhando fixamente a nuca de um camponês. Olhou aquela nuca durante varios segundos, e depois começou o trotar das explosões vindo da floresta. Fraco de mais para se mexer, continuou a olhar a nuca e, subitamente, esta desapareceu. Saltou do corpo do camponês, e onde um momento antes tinha estado um homem inteiro, estava agora um homem sem cabeça.
Mais barulho, mais agitação. Se o cavalo continuou ou não a puxar o carro, não o sei dizer, mas poucos minutos depois, talvez até segundos, um grande contigente de tropas russas invadiu a estrada. Jipes, tanques, um ror de soldados. Quando o oficial que comandava as tropas viu a perna do tio de S., mandou-o rapidamente para a enfermaria que tinham instalado na vizinhança. Não era mais do que uma desengonçada cabana de madeira, talvez um galinheiro, ou provavelmente um barracão qualquer de alguma quinta. Ali, o médico militar russo anunciou que se podia salvar a perna. «Estava demasiadamente ferida», disse, «e tinha de a amputar.»
O tio do meu amigo começou a gritar «Não me ampute a perna!», berrava, «por favor, peço-lhe, não me corte a perna!» Mas niguém lhe prestava atenção. Os enfermeiros amarraram-no á mesa de operações, e o médico pegou no serrote. No momento em que se preparava para rasgar a pele, houve outra explosão. O tecto da enfermaria caíu, as paredes ruíram, todo o local foi atingido. E, mais uma vez, o tio de S. desmaiou.
Quando voltou a si, desta vez, estava deitado numa cama. Os lenções eram limpos e macios, havia cheiros agradáveis no quarto e a sua perna ainda estava agarrada ao corpo. Um momento depois, olhava a cara de uma jovem mulher bonita. Ela sorria-lhe, ao mesmo tempo que lhe dava a comer um caldo à colher. Sem saber como, tinha sido novamente salvo e levado para uma outra casa de campo. Durante vários minutos, depois de ter voltado a si, o tio de S. não tinha a certeza se estava vivo ou morto. Parecia-lhe possível que tivesse acordado no Paraíso.
Ficou nessa casa até estar restabelecido e apaixonou-se pela jovem mulher bonita, mas o seu romance não teve futuro. Gostaria de saber porquê, mas S. nunca me deu os pormenores. O que eu sei é que o tio dele ficou com a perna - e que quando acabou a guerra, partiu para a América a fim de começar uma vida nova. De um modo ou de outro (as circunstâncias são obscuras para mim), ele acabou como angariador de seguros em Chicago."


O que acabais de ler... é uma das 13 historias(de acontecimentos bizarros) que fazem parte do "Caderno Vermelho" de Paul Auster.
Visto não querer ser confundido com uma tal de Clarra Pinto Correia(coitada ja levou tanto na mona...) devo sublinhar...ou melhor boldar:


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